Manaus insustentável
Padre
Sandoval
Alves Rocha, SJ – Dia 29 de outubro de 2021
No dia 24 de outubro a cidade de
Manaus completou 352 anos de fundação, mostrando na sua história que a vida da
sua população sempre foi colocada em segundo plano. No seu próprio nome, a
cidade traz a lembrança de um povo indígena, os manaós, que foi exterminado
para dar lugar a um modelo civilizatório predatório e opressor, indicando o
desprezo pelos nativos que aqui viviam ou ainda vivem, os verdadeiros donos da
terra.
Este desprezo pela vida das
populações nativas apareceu ao longo de toda a história da cidade,
principalmente nos períodos de grande desenvolvimento. Na era da borracha (1890
– 1920), a grande maioria da população não se beneficiou das riquezas que ela
mesma produzia. Não teve a chance de experimentar o requinte da Paris dos
Trópicos que esbanjava modernidade e brilho. Ao contrário, a maior parcela da
população foi expulsa para fora da cidade, sobrevivendo das migalhas do
desenvolvimento, que beneficiava pequenas elites locais e o mercado
internacional.
A era da Zona Franca de Manaus, a
partir da década de 1960, foi um projeto ditatorial, colocado em curso pelo
regime da morte. Tal projeto não considerou a melhoria da qualidade de vida do
conjunto da população, mas visou primeiramente solidificar um sistema social
desigual, baseado na competitividade que exclui a maioria da população ou impõe
sobre ela uma urbanização precária e decadente.
Atualmente, sob este regime, 53,38%%
dos domicílios da cidade estão localizados em área de habitação subnormal
(favelas, palafitas, ocupações e assentamentos). Nestas áreas não há nem
saneamento básico, pois o regime do capital já se apropriou destes serviços
para dar continuidade ao processo espoliativo. Aqui faltam escolas, transporte,
comida, cultura e lazer, mas domina a fome, o desemprego, a privação, a deterioração
ambiental e a ausência de serviços urbanos.
O paradigma da desigualdade que
comanda a vida em Manaus foi evidenciado de forma trágica nestes tempos de
pandemia, quando nos deparamos com a precariedade do sistema de saúde e a
omissão dos poderes públicos diante da ação devastadora da covid-19. A crise
sanitária mostra de forma inquestionável que a cidade não é projetada para o
benefício de todos. Ela é projetada para excluir. Enquanto isso, as riquezas
produzidas são drenadas pelos grandes empresários, que buscam incessantemente
formas de explorar a população e extrair as riquezas naturais, em detrimento do
meio ambiente.
Nesta época vimos que a quase
totalidade da população, formada por trabalhadores, indígenas e populações
negras, não tem vez nem voz. Essas vidas não interessam aos gestores e elites
que conduzem a cidade, a não ser quando são transformadas em objetos de
espoliação capitalista. Incontáveis são as vidas perdidas nesta longa história
em nome da manutenção da desigualdade sistêmica, que torna Manaus uma cidade
insustentável.
Resta-nos comemorar a fundação da
cidade sobre os túmulos de milhares de pessoas que foram abatidas pela pobreza,
pela violência e desigualdade estruturais, pela falta de gestores comprometidos
com o bem comum, mas excessivamente alinhados a um sistema social injusto e
ambientalmente predatório.
Padre Sandoval
Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências
Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus
(Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico
de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.
Fonte web: https://amazonasatual.com.br/manaus-insustentavel/