domingo, 22 de fevereiro de 2009

Delegação de Niterói agradece
E-mail recebido do irmão Ignacio Weschenfelder, que agradece a recepção tida em Moçambique:

“Caro irmão Hugo!
Tenho muito a lhe agradecer por sua disponibilidade em prestar seus serviços de motorista ao nosso grupo de Niterói nos dias em que tivemos a graça de conviver, conhecer a realidade moçambicana e partilhar com os lassalistas de Beira e Mangunde valores comuns que unem Brasil e Moçambique.
Pude observar que na Escola João XXIII houve um bom crescimento nos 10 últimos anos quanto à situação econômica dos alunos, em especial dos pequenos. Hoje apresentam-se bem melhor arrumados. Também, o que consola é ver os professores imbuídos de seriedade e a conduzir eficientemente as turmas em suas aulas. A Direção e a Coordenação Pedagógica pareceram-me assumir bem suas funções. Fiquei feliz por encontrar numerosos professores e funcionários antigos. Em geral, são estes que imprimem o ritmo e devem servir de modelo para os novos que ingressam na instituição”.

Segue o texto que enviei aos Irmãos de Beira e Mangunde:

Faço questão de expressar os meus sentimentos de gratidão e os das cinco jovens brasileiras pela cordial, dedicada e incansável atenção que vocês tiveram para conosco. Vimos em vocês um belo e modelar espírito missionário. Em consequência de nossa visita, a eficiente missão lassalista em Moçambique será, mais do que nunca, divulgada aqui em Niterói por todos os membros de nossa delegação. As jovens que acompanhei ficaram deveras impressionadas com o tamanho do bem que vocês prestam a tantas crianças e jovens africanos. Também ficamos impressionados com o trabalho que os voluntários estrangeiros fazem em Mangunde. Deus mantenha a todos os Irmãos e seus colaboradores com saúde, disposição e fidelidade ao chamado missionário.
Chegamos muito bem e pontualmente no aeroporto de Johannesburgo, no dia 12. O Irmão Cornelius nos acolheu cordialmente e levou a mim e a Lua até sua comunidade, onde nos hospedamos regiamente. As quatro outras integrantes do grupo foram excursionar na Cidade do Cabo. Nossa viagem de retorno transcorreu normalmente.
Desde ontem, sexta-feira, até o dia 1º de março temos recesso escolar e, no Rio de Janeiro e em outras muitas cidades brasileiras do Rio até o Nordeste, não se trabalha durante esse tempo. Toda atenção se consagra ao deus Momo do carnaval.
O irmão Arno Lunkes terá reunião em Assunção, da RELAL, a partir do dia 23. Os irmãos Amadeu, Cláudio Henrique e o noviço Edenilson, que faz estágio conosco, estão em Araruama. O irmão Alberto Körbes viajou ontem a Curitiba para Pastoral Vocacional e Pastoral da Juventude no La Salle do Pinheirinho. O irmão Hilário Sgarbi e este seu criado permanecemos em Niterói, em ambiente de quase total silêncio. Esses dias de carnaval são de tranqüilidade no Abel e na Faculdade.
Fraternalmente,
Irmão Ignácio Lúcio Weschenfelder

sábado, 21 de fevereiro de 2009

boletim nº 32 - o 1º de 2009

Comunicando de Moçambique / 32
Manga Chingussura, Beira, 21 de Fevereiro de 2009.
Olá, estimados familiares, Irmãos, amigas e amigos no Brasil e alhures!
Após dois meses desde o envio do meu último boletim de notícias do ano passado, volto com as primeiras notícias deste ano de 2009.
Já vamos para a 4ª semana de aulas
Nas escolas moçambicanas, o ano letivo de 2009 iniciou oficialmente dia 02 de fevereiro passado. Assim, já estamos terminando a 3ª semana de aulas. Na próxima semana iniciamos a 4ª semana de aula normal, sem folga nenhuma, porque por aqui não se festeja o carnaval como no Brasil.
Na Escola João 23, aqui na Beira, estamos com um total de 2.570 alunos, desde o Pré até a 12ª classes. Esse alunado todo é atendido por cerca de 105 professores e uns 30 funcionários, dentre os quais alguns novos. Nas classes do turno da tarde tivemos aumento no número de alunos em relação ao ano passado. As matrículas ainda continuam sendo recebidas até o final de fevereiro.
Em Mangunde há este ano 1.800 alunos matriculados na Escola São Francisco de Assis, segundo informa o irmão Roberto Carlos Ramos. No internato há 310 meninas e 521 meninos, num total de 831 internos. De momento, o irmão Felipe Angst está dando aulas de Educação Física e Filosofia da 8ª à 11ª classes, e irmão Roberto Carlos leciona Educação Moral e Cívica na 9ª e 10ª classes e Geografia da 10ª à 12ª, além de exercer as funções de pedagógico do ESG2 até a volta do irmão Domingos Faz-Ver de Roma, no começo de abril próximo.
Em breve os Irmãos de Mangunde vão iniciar a formação dos professores nas 4 Missões da Associação Esmabama (Estaquinha, Machanga, Barada e Mangunde), pois já foi aprovado o projeto elaborado no ano passado para a Conferência Episcopal Italiana (CEI).
“Mangunde está tudo em paz, a não ser o surto de cólera que atingiu nossa região, tendo atualmente 14 pacientes em tratamento no hospital”, conclui irmão Roberto Carlos Ramos no seu informe.
Visita do irmão Paulo Fossatti foi muito apreciada
Nos dias 22 a 29 de janeiro, esteve conosco o diretor de educação e pastoral da Província Lassalista de Porto Alegre. Irmão Paulo Fossatti viajou a Beira junto com os irmãos Roberto Carlos Ramos e Felipe André Angst, este vindo pela 1ª vez para ser missionário em Moçambique, após seis anos de atuação em Ananindeua, na região norte do Brasil.
Na semana de convivência conosco, irmão Paulo aproveitou para conversar individualmente com cada um dos Irmãos, visitou nossas três comunidades lassalistas aqui em Moçambique, reuniu-se com os professores da Escola João 23 aqui na Beira e da Escola São Francisco de Assis em Mangunde e realizou duas reuniões com todos os Irmãos na Beira. No dia 24 de janeiro visitou o arcebispo de Nampula, dom Tomé Makwehyla, para manifestar oficialmente a decisão dos Irmãos Lassalistas de abrir uma escola naquela arquidiocese. E no domingo, dia 25, nos acompanhou no passeio à praia de Savane, um lugar turístico distante uns 40 km da nossa casa, aonde vamos com certa frequência.
Visita de cinco universitárias de Niterói-RJ nos alegrou
Nos dias 2 a 12 de fevereiro recebemos a visita de 5 universitárias do Unilasalle de Niterói-RJ. Acompanhadas do irmão Ignácio Weschenfelder, elas conheceram a Missão de Mangunde e tiveram contato com os alunos maiores da Escola João 23 aqui na Beira. Em Mangunde visitaram os alunos da 8ª à 12ª classes, bem como os da Escola Agrária. As 5 visitantes concluíram no final do ano passado o curso de Relações Internacionais no Unilasalle de Niterói, e decidiram substituir a festa de formatura por essa viagem a Moçambique, para conhecer mais de perto nossa missão lassalista nessas terras. Tanto elas como nós gostamos dessa sua visita. Nos últimos dias da sua presença, manifestaram de diversas formas a sua satisfação em conhecer a realidade de pobreza e a sua admiração pela luta do povo moçambicano por uma vida com mais dignidade.
Pastoral Vocacional e Formação em Moçambique
Estes foram dois pontos destacados diversas vezes com os Irmãos daqui na visita do irmão Paulo Fossatti, entre vários outros. Assim sendo, este ano a PV está recebendo maior atenção e empenho, sob a coordenação do Irmão Gildo Alfândega. No cronograma do ano estão previstas visitas às paróquias da Arquidiocese da Beira, bem como às dioceses de Quelimane e Nampula. É fundamental termos mais e bons candidatos, para podermos garantir a continuidade da presença lassalista nessas terras. Este ano contamos apenas com dois jovens formandos: um postulante do ano passado (dois colegas dele não regressaram) e um novo, na condição de pré-postulante até julho próximo. Além de diversas aulas formativas em casa, com boa carga na aprendizagem do francês, os dois continuam participando duas manhãs por semana das aulas no Postulinter, no Alto da Manga, ligado à Cirm-Conferemo e coordenado pelo irmão Ivo Pavan.
Rapidinhas
· Assembleia: no próximo final de semana, dias 27 e 28 de fevereiro e 1º de março, no Centro de Formação Nazaré, arredores da Cidade da Beira, acontece a assembleia anual da Associação Esmabama. Irmão Henrique Longo vai participar dos trabalhos representando a Comunidade La Salle, parceira no projeto de formação permanente dos professores que atuam na Esmabama.
· Universitários: os 3 jovens irmãos moçambicanos iniciaram esta semana seus estudos na Universidade Pedagógica da Beira (UP). Irmãos António Rosa e Gildo Alfândega cursam o último ano de Filosofia, com aulas à noite, e irmão Venâncio Maloa vai pro 3º ano de Português, com aulas de manhã.
. Viagem: Na 2ª quinzena de março, o diretor da Escola João 23, irmão Armando Manuel, estará na cidade de Milão para participar dum congresso da Anpil. Anpil é a associação amigos na promoção internacional lassaliana, do Instituto Gonzaga de Milão, que apadrinha mais de 200 alunos do ensino primário da Escola João 23. Após o congresso aproveita para visitar a casa geral dos Irmãos em Roma, voltando nos primeiros dias de abril a Beira junto com seu colega irmão Domingos Faz-Ver, que desde outubro do ano passado está participando do CIL, um curso internacional lassalista de formação permanente.
Terminando, transmito a todas/os meus melhores cumprimentos, junto com meu fraternal abraço e votos de bom trabalho neste novo ano letivo de 2009!
Irmão Hugo Bruno Mombach, fsc
Jornalista Reg. 4065 DRT-RS – E-address: hbmom47@gmail.com
Visite meu blog: http://hbmom47.blogspot.com/ e faça seus comentários.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

para rir um pouco...

Segredo de mafioso
Um chefão da Máfia descobriu que seu contador havia desviado dez milhões de dólares do caixa.
O contador era surdo-mudo. Por isto fora admitido, pois nada poderia ouvir e, em caso de um eventual processo, não poderia depor como testemunha.
Quando o chefão foi dar um arrocho nele sobre os US$ 10 milhões, levou junto sua advogada, que sabia a linguagem de sinais dos surdos-mudos.
O chefão perguntou ao contador:
- Onde estão os U$10 milhões que você levou?
A advogada, usando a linguagem dos sinais, transmitiu a pergunta ao contador, que logo respondeu (em sinais):
- Eu não sei do que vocês estão falando.
A advogada traduziu para o chefão:
- Ele disse não saber do que se trata.
O mafioso sacou uma pistola 45 e encostou-a na testa do contador, gritando:
- Pergunte a ele de novo.
A advogada, sinalizando, disse ao infeliz:
- Ele vai te matar se você não contar onde está o dinheiro.
O contador sinalizou em resposta:
- OK, vocês venceram, o dinheiro está numa valise marrom de couro, que está enterrada no quintal da casa de meu primo Enzo, no nº 400, da Rua 26, quadra 8, no bairro Santa Marta!
- O mafioso perguntou para advogada:
- O que ele disse?
A advogada respondeu:
- Ele disse que não tem medo de veado e que você não é macho o bastante para puxar o gatilho.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Circular de dom Casaldáliga falando da utopia duma "outra Igreja possível"

Carta Circular 2009 de dom Pedro Casaldáliga
Terca-Feira, 17 de Fevereiro de 2009
«HOJE NÃO TENHO MAIS ESSES SONHOS», diz o cardeal Martini
O cardeal Carlo M. Martini, jesuíta, biblista, arcebispo que foi de Milan e colega meu de Parkinson, é um eclesiástico de diálogo, de acolhida, de renovação a fundo, tanto na Igreja como na Sociedade. Em seu livro de confidências e confissões ‘Colóquios noturnos em Jerusalém’, declara: «Antes eu tinha sonhos acerca da Igreja. Sonhava com uma Igreja que percorre seu caminho na pobreza e na humildade, que não depende dos poderes deste mundo; na qual se extirpasse de raiz a desconfiança; que desse espaço às pessoas que pensem com mais amplidão; que desse ânimos, especialmente, àqueles que se sentem pequenos o pecadores. Sonhava com uma Igreja jovem. Hoje não tenho mais esses sonhos». Esta afirmação categórica de Martini não é, não pode ser, uma declaração de fracasso, de decepção eclesial, de renúncia à utopia. Martini continua sonhando nada menos que com o Reino, que é a utopia das utopias, um sonho do próprio Deus.
Ele e milhões de pessoas na Igreja sonhamos com a outra Igreja possível, ao serviço do outro Mundo possível. E o cardeal Martini é uma boa testemunha e um bom guia nesse caminho alternativo; o tem demonstrado.
Tanto na Igreja (na Igreja de Jesus que são várias Igrejas) como na Sociedade (que são vários povos, várias culturas, vários processos históricos) hoje mais do que nunca devemos radicalizar na procura da justiça e da paz, da dignidade humana e da igualdade na alteridade, do verdadeiro progresso dentro da ecologia profunda. E, como diz Bobbio, é preciso instalar a liberdade no coração mesmo da igualdade; hoje com uma visão e uma ação estritamente mundiais. É a outra globalização, a que reivindicam nossos pensadores, nossos militantes, nossos mártires, nossos famintos...
A grande crise econômica atual é uma crise global de Humanidade que não se resolverá com nenhum tipo de capitalismo, porque não é possível um capitalismo humano; o capitalismo continua a ser homicida, ecocida, suicida. Não há modo de servir simultaneamente ao deus dos bancos e ao Deus da Vida, conjugar a prepotência e a usura com a convivência fraterna. A questão axial é: Trata-se de salvar o Sistema ou se trata de salvar à Humanidade? A grandes crises, grandes oportunidades. No idioma chinês a palavra crise se desdobra em dois sentidos: crise como perigo, crise como oportunidade.
Na campanha eleitoral dos EUA se arvorou repetidamente «o sonho de Luther King», querendo atualizar esse sonho; e, por ocasião dos 50 anos da convocatória do Vaticano II, tem-se recordado, com saudade, o Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre. No dia 16 de novembro de 1965, poucos dias antes da clausura do Concílio, 40 Padres Conciliares celebraram a Eucaristia nas catacumbas romanas de Domitila, e firmaram o Pacto das Catacumbas. Dom Hélder Câmara, cujo centenário de nascimento estamos celebrando neste ano, era um dos principais animadores do grupo profético. O Pacto em seus 13 pontos insiste na pobreza evangélica da Igreja, sem títulos honoríficos, sem privilégios e sem ostentações mundanas; insiste na colegialidade e na corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus e na abertura ao mundo e na acolhida fraterna.
Hoje, nós, na convulsa conjuntura atual, professamos a vigência de muitos sonhos, sociais, políticos, eclesiais, aos quais de jeito nenhum modo podemos renunciar. Seguimos rechaçando o capitalismo neoliberal, o neo-imperialismo do dinheiro e das armas, uma economia de mercado e de consumismo que sepulta na pobreza e na fome a uma grande maioria da Humanidade. E seguiremos rechaçando toda discriminação por motivos de gênero, de cultura, de raça. Exigimos a transformação substancial dos organismos mundiais (a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC...). Comprometemo-nos a vivermos uma ecologia profunda e integral, propiciando uma política agrária-agrícola alternativa à política depredadora do latifúndio, da monocultura, do agrotóxico. Participaremos nas transformações sociais, políticas e econômicas, para uma democracia de alta intensidade.
Como Igreja queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica e macro-ecumênica também. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazermos do nosso Deus o único Deus verdadeiro. Meu Deus, me deixa ver a Deus?. Com todo respeito pela opinião do Papa Bento XVI, o diálogo interreligioso não somente é possível, é necessário. Faremos da corresponsabilidade eclesial a expressão legítima de uma fé adulta. Exigiremos, corrigindo séculos de descriminação, a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja. Estimularemos a liberdade e o serviço reconhecido de nossos teólogos e teólogas. A Igreja será uma rede de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testemunhas da Boa Nova: uma Boa Nova de vida, de liberdade, de comunhão feliz. Uma Boa Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade. Seguiremos fazendo que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: Não será assim entre vocês (Mt 21,26). Seja a autoridade serviço. O Vaticano deixará de ser Estado e o Papa não será mais chefe de Estado. A Cúria terá de ser profundamente reformada e as Igrejas locais cultivarão a inculturação do Evangelho e a ministerialidade compartilhada. A Igreja se comprometerá, sem medo, sem evasões, com as grandes causas de justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos. Será profecia de anuncio, de denúncia, de consolação. A política vivida por todos os cristãos e cristãs será aquela expressão mais alta do amor fraterno (Pio XI).
Nós nos negamos a renunciar a estes sonhos mesmo quando possam parecer quimera. Ainda cantamos, ainda sonhamos». Nós nos atemos à palavra de Jesus: ‘Fogo vim trazer à Terra; e que mais posso querer senão que arda?’ (Lc 12,49). Com humildade e coragem, no seguimento de Jesus, tentaremos viver estes sonhos no dia a dia de nossas vidas. Seguirá havendo crises e a Humanidade, com suas religiões e suas Igrejas, seguirá sendo santa e pecadora. Mas não faltarão as campanhas universais de solidariedade, os Foros Sociais, as Vias Campesinas, os movimentos populares, as conquistas dos Sem Terra, os pactos ecológicos, os caminhos alternativos da Nossa América, as Comunidades Eclesiais de Base, os processos de reconciliação entre o Shalom e o Salam, as vitórias indígenas e afro e, em todo o caso, mais uma vez e sempre, eu me atenho ao dito: a Esperança.
Cada um e cada uma a quem possa chegar esta circular fraterna, em comunhão de fé religiosa ou de paixão humana, receba um abraço do tamanho destes sonhos. Os velhos ainda temos visões, diz a Bíblia (Jl 3,1). Li nestes dias esta definição: «A velhice é uma espécie de postguerra»; não precisamente de claudicação. O Parkinson é apenas um percalço do caminho e seguimos Reino adentro.
* Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Felix do Araguaia - MT

domingo, 8 de fevereiro de 2009

ainda em homenagem a dom Helder Câmara

Ainda em homenagem ao centenário de nascimento do grande bispo brasileiro que foi dom Helder Câmara, vai um excelente texto da teóloga carioca Maria Clara Bingemer...
Dom Helder Câmara: profeta brasileiro
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Arcebispo vermelho, bispo comunista, santo, místico, poeta, profeta – de tudo isso e muito mais foi chamado Dom Helder Câmara. Amigo de Paulo VI e do cardeal Eugenio Salles, inovador e criativo, ao mesmo tempo em que obediente e dócil à Igreja Católica da qual era pastor, Dom Helder é certamente uma figura ímpar do século que passou.
Brasileiro ilustre, sem dúvida, esse magro cearense que era fiel à Igreja e ao mesmo tempo dialogava com o mundo com toda a tranqüilidade e intimidade. Conhecido no Brasil e no exterior, admirado por uns e odiado por outros, Dom Helder em seu centenário de nascimento, celebrado neste ano, não deixa de instigar nossas consciên-cias e provocar admiração. Impossível não tomar posição diante de sua pessoa e sua vida.
Quando, em 20 de abril de 1952, aquele frágil sacerdote nordestino foi nomeado bispo, escolheu como lema do seu ministério episcopal ‘in manus tuas’. Provavelmente intuía, mas não sabia que era ao mesmo tempo uma profecia e um programa de vida. As três palavras latinas queriam significar sua entrega confiante nas mãos de Deus, seu único Senhor. Essa entrega levou-o longe pelos caminhos de um serviço criativo e profético ao povo de Deus, pelo qual pagou seu preço, mas que desempenhou alegre até o fim.
No dia 7 de fevereiro serão cem anos do nascimento de Dom Helder Câmara, cearense de Fortaleza e décimo primeiro filho de família simples, numerosa e bem constituída. Desde pequeno, brincava de padre, armando altares e oficiando missas em casa. Ao comunicar a seu pai, afastado da Igreja, seu desejo de abraçar a vocação sacerdotal, o jovem Helder ouviu palavras que nunca esqueceu: “Meu filho, você sabe o que é ser padre? Padre e egoísmo nunca podem andar juntos. O padre tem que se gastar, se deixar devorar”.
A vida no seminário e os estudos do jovem Helder foram marcados pela firmeza vocacional e o brilho intelectual. Ordenado aos 22 anos, antes da idade mínima requerida para tal e com licença especial da Santa Sé, padre Helder reuniu desde o princípio qualidades raras em uma mesma pessoa: inteligência, cultura e liderança incontestáveis ao lado de um imenso amor e dedicação integral aos mais pobres.
Ao mesmo tempo em que organizava reuniões com lavadeiras e operárias e assessorava a Juventude Operária Brasileira (JOC), escrevia artigos em revistas, planejava a catequese a nível estadual e assumia cargos públicos na secretaria de educação do Ceará. A habilidade política foi uma constante em sua vida, assim como a naturalidade que desde sempre teve frente aos meios de comunicação, sendo uma das primeiras personalidades eclesiásticas brasileiras a aparecer constantemente na televisão. Quem é da minha geração certamente não esquecerá sua figura de olhos vivos e penetrantes conclamando o país à solidariedade quando estourou o açude de Orós, causando situação de calamidade para a população nordestina. Parece ouvir ainda sua voz de característico sotaque nordestino: “Orós precisa de nós”!
A sagração episcopal multiplicou à enésima potência a personalidade fulgurante do nordestino magro e franzino, vestido com uma eterna batina bege. Sua criatividade e capacidade de trabalho inventavam e implan-tavam sem cessar novas coisas na Igreja do Brasil. Deve-se a Dom Helder quase todas as iniciativas pioneiras em termos eclesiais que o país conheceu durante o século XX, entre elas a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da qual foi fundador e secretário geral.
Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, onde era bispo auxiliar, criava a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional situado no coração do Leblon, bairro mais chique da cidade. Também se deve a sua iniciativa o Banco da Providência, órgão que existe até os dias de hoje e que atende os pobres da diocese do Rio de Janeiro a vários níveis.
No plano internacional, Dom Helder não teve mãos a medir diante dos múltiplos convites que recebia e atendia. Enchia auditórios e praças em Paris, Sidney, Londres, levando até o abastado primeiro mundo a quase sempre ignorada realidade sofrida e oprimida dos pobres brasileiros. Sua presença fez o país e a Igreja conhecidos e respeitados em outras latitudes.
A partir de 1964, o governo militar criou um rígido sistema de censura nos meios de comunicação brasileiros. Pretendia assim calar as vozes daqueles que defendiam os direitos humanos e denunciavam a barbárie perpetrada pelas torturas nos porões da ditadura. Dom Helder foi confinado a um penoso ostracismo. Sobre ele não se falava ou noticiava. Seu acesso à mídia fechou-se. Ele, perplexo com as acusações de comunista que lhe faziam, cunhou uma frase que ficou famosa: “Quando ajudo os pobres dizem que sou santo. Quando pergunto sobre as causas da pobreza, me chamam de comunista”.
Dom Helder foi reduzido a uma progressiva invisibilidade. Ficou praticamente restrito à atuação intra-eclesial onde incansavelmente continuou trabalhando. Desde Recife, sua sede episcopal a partir de 1964, foi responsável por um dos mais bem sucedidos focos de resistência ao regime militar.
Homem universal, parece não existir um só campo de atividade que Dom Helder não tenha tocado, vivido, atuado. Recebeu inúmeras homenagens e títulos pelo mundo afora: de cidadão honorário, de “doutor honoris causa”. Poeta e místico ardente, desde seu pequeno quarto no Recife levantava-se durante a madrugada para renovar seu lema de bispo: “In manus tuas”. A entrega incondicional a Deus e a seu povo expressava-se em belos poemas e livros que receberam traduções em vários idiomas. Escreveu sobre a paz, a cidade e o desafio da pastoral urbana, sobre a justiça, sobre a Igreja que nascia das chamadas minoras abraâmicas. Organizou espetáculos no Maracanã sobre os sete pecados capitais, a paixão de Cristo. Gravou discos onde declamava poemas em honra de Nossa Senhora – Mariama, na Missa dos Quilombos composta por Milton Nascimento e Dom Pedro Casaldáliga.
Nas incursões na calada da noite, olhando o céu do Recife coalhado de estrelas, sua alma se expandia em louvor e adoração. Ali estava seu segredo. Ali estava a força da marca indelével que deixou por onde passou. In manus tuas. Nas mãos de seu Senhor, a alma do bispo descansava e cobrava forças para um novo amanhecer. Hoje, celebrando cem anos de seu nascimento, o Brasil agradece, comovido. E invoca sua proteção para estes tempos tão diferentes e igualmente complexos.